O Prenúncio
Cabo da Roca, ponto mais ocidental da Europa. Aqui, onde termina a terra e começa o mar (Camões). 8 de março de 1500. Um enorme monolito levita, súbito precipita-se no mar; invisíveis as naus ao fundo.
A Travessia
Na calmaria tropical, o mar plácido oleoso; as velas inertes parecem mármore.
Tudo é petrificado.
Os grumetes, Antonio e Gonçalo, sofrem saudades dos sofrimentos vividos à casa; convocados às cabines de popa, sofrem abusos indescritíveis; no porão, lhes consolam os degredados.
Nas orlas ainda não alcançadas, crianças brincam em suas pequenas canoas. As Naus são um inferno para todos que não são oficiais, nobres e padres. À proa, amuam-se marinheiros, grumetes e degredados ainda a degredar-se nos porões. À popa, abusam carnes, abundam licores.
N’aldeia, o ambiente é de comunhão, tudo compartilham, falta não há nem separação.
O vento sopra; sargaços tocam os costados das naus; fragatas e gaivotas flutuam ao céu. O velho monte vê as naus no horizonte, que ainda nada percebem.
Na costa, um presságio; jubartes escutam o marulho dos cascos.
Um Mal Entendido
Róseas falésias a bombordo prenunciam segura baía; fazem-se ferros.
Os nautas, medrosos dos nativos na praia avistados, enviam grumetes e degredados para contato. Uma canoa aborda a nau, dois nativos são embarcados; oferecem-lhes água d’além mar, que cospem de ojeriza.
Na praia, travam amistoso contato.
Os grumetes logo tornam-se crianças que foram outrora, como e com os curumins brincam na orla.
Os nativos se compadecem do mal estado dos nautas; lhes encaminham ao rio, onde doce água jorra; lhes dão coco, banana e mandioca.
À noite, permanecem os degredados e grumetes; nas naus, os nautas.
No abrigo d’oca se acomodam os estrangeiros; dormem, agasalhados pelo fogo.
O Pesadelo Da Terra
Em terra, e por toda ela, sonham pesadelos.
A água sonha a seca; a planta, o fogo; a terra colapsa; cai o céu; a onça vira só pele; a baleia, óleo; a ave, peito de frango congelado. A mata sonha pasto, eucaliptos e vacas. A morte sonha nas gentes. O passado sonhou hoje.
Em sonho, os grumetes relatam abusos; os degredados crimes dos nautas em África.
Nos intervalos despertos entrenoites, percebe a terra, e toda ela, que os pesadelos são oráculos. Noite após noite, os nautas comportam-se à luz do dia com ganância e, com avareza, sondam a terra, precipitam matas, capturam, molestam. Revelam-se agentes da destruição, que todos os olhos fechados veem.
O Conselho Terrano
À véspera da partida, antes d’aurora, a pedra emite um chamado. Animais, plantas, fungos, o rio; dos céus, os pássaros pousam à porta d’oca. Despertam mulheres e homens da terra. Reunidos, comungam e projetam antecipar a vingança aos crimes.
O Baptismo
No interior da mata, onde o rio brota da terra, feiticeiras e serpentes encantam as águas, enquanto, à jusante, homens carregam barris batizados às naus.
O Suplício
Entorpecidos pelas águas enfeitiçadas, dormem os nautas. Grumetes cúmplices conspirantes, em um bote, abandonam a nau. Na canoa, flechas são acesas e cruzam o céu tal qual meteoros.
Lentamente o fogo consome as naus.
Uma ou outra nau percebem e içam velas; no entanto, jubartes as perseguem; uma a uma, as abatem.
fim