Ione Saldanha iniciou sua produção pictórica na virada dos anos 1940 e 1950. Após se mudar com sua família para o Rio de Janeiro, ela começou a frequentar cursos livres de desenho de modelo vivo, de pintura, além dos ateliês de artistas cariocas e, principalmente, o Museu Nacional de Belas Artes e os salões de arte. Neste período inicial, os motivos mais frequentes de sua pintura eram casarios e paisagens urbanas, como as duas telas sobre Ouro Preto que a artista apresentou no 53º Salão de Belas Artes, em 1948, e que lhe renderam a medalha de bronze logo na primeira ocasião em que expôs seus trabalhos. Em 1949, Saldanha realizou sua primeira viagem de estudos à Europa, onde fixou residência em Paris durante dois anos para estudar a técnica do afresco na Académie Julian, espaço pelo qual circularam diversos artistas modernistas vindos do Brasil após a II Guerra Mundial. Foi neste contexto que Saldanha conheceu Maria Helena Vieira da Silva (1909-1992).
Ao retornar da Europa, o trabalho da artista assume paulatinamente, durante a década de 1950, traços mais abstratizantes e geométricos tendendo à verticalidade. As pinturas de fachadas de Ione Saldanha mesclam elementos compositivos tradicionais desses motivos a pequenas padronagens geométricas cujo ritmo se dá pelo empilhamento de quadrados, retângulos e triângulos. Já no final desta década, a pintura reportava a elevações urbanas. Em tons rebaixados, as formas geométricas são pintadas sobre fundos neutros (branco ou cinza) de modo a formar uma linha do horizonte que cinde o plano do quadro em dois. Nas partes superior e inferior o empilhamento regulado de formas geométricas sugere uma arquitetura imaginada, normalmente sem perspectiva e cuja pincelada remete à técnica do afresco, ainda que sejam quadros realizados a óleo ou acrílica.
No início da década seguinte, a pintora se dedicava ao conjunto de trabalhos intitulado Cidades inventadas em que as formas de elevações urbanas cindidas em dois planos superior e inferior ganham perspectiva e volume. Ademais, a sua paleta passa a ser tanto mais escura quanto mais vibrante. O trabalho cromático se aventura também em manchas de cor que não se reduzem aos contornos sólidos das figuras e, muitas vezes, criam outras formas no espaço pictórico. Em alguns casos, é a proliferação dessas manchas cromáticas que faz as vezes de contorno o que deixa a pintura com aspecto aquarelado, uma vez que mancha e figura se confundem.
Trata-se do gradual processo de autonomização da cor, que será característico do trabalho de Saldanha de meados da década de 1960 em diante. Ainda sobre tela, a pintura de formas geométricas se desvincula da referência direta à cidade e as formas assumem maiores dimensões. A pintura passa a ser estruturada por colunas verticais de cor pintadas no centro das telas e, em alguns casos, há a ocorrência de círculos. As telas ainda deixam transparecer as pinceladas que dão textura aos espaços monocromáticos do interior das formas, que se tornam mais leves e passam a ter contornos menos definidos.
A verticalização de espaços monocromáticos antecipava a fase posterior de sua pintura, que gradualmente se utiliza da simplificação formal para explorar as cores e suas relações em outros suportes. Em suas palavras, “quero fazer o mínimo com o mínimo de material, apenas uma ripinha com uma tinta e pronto, mais nada”, declara em entrevista à Eventual em 1996. Em 1968, Saldanha iniciou seu trabalho de pintura sobre ripas de madeira e que parte de um procedimento pictórico similar ao das telas do final dessa década: a construção de verticais de cor sem volume. É como se cada ripa ilustrasse uma parcela da paleta de Saldanha. O procedimento visa a construção de ritmos cromáticos pela interação entre cores: espaços cheios e vazios, cores quentes e frias, complementares e dissonantes. O trabalho também destaca a pincelada, desta vez, pelo uso da têmpera. Nesta mesma época, a artista começa o conjunto de pinturas sobre bambus, em que o volume passa a adentrar a pintura em um espaço pictórico sem perspectiva.
Na década de 1970 até os anos 1990, Ione Saldanha continuou sua pesquisa de pintura sobre madeira, das ripas e dos bambus, e passou a incluir bobinas de fios elétricos entre seus materiais. A forma circular voltaria a aparecer em sua obra, como nas pinturas sobre papel italiano da série Roda Flor. Já na série Empilhados, Saldanha retoma e reelabora o procedimento de sua pintura dos anos 1960: a ordenação compositiva vertical de cores, desta vez, pelo empilhamento de sólidos geométricos.
Ione Saldanha participou de diversas Bienais de São Paulo (1953, 1955 1957, 1959, 1961, 1963, 1965, 1967 e 1969). Em 1969, na 10ª edição da Bienal, a pintora recebeu um prêmio do júri internacional. Por esse motivo, foi homenageada nas 12ª e 15ª edições, respectivamente, em 1973 e 1979. Em 1956, Saldanha ganhou sua primeira mostra individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Apenas cinco anos depois, ela realizou sua primeira individual Internacional na Galeria da Casa do Brasil, sediada na Embaixada do Brasil em Roma. A artista participou do 1º Panorama de Arte Atual Brasileira no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Após sua morte, a obra de Saldanha continua tomando parte em diversas exposições, dentre elas: em 1996, ela recebeu uma individual no Paço Imperial do Rio de Janeiro; em 2021, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand revisitou a sua obra com a mostra Ione Saldanha: a cidade inventada. Ademais, sua obra integra o acervo dos principais museus nacionais e diversos museus internacionais, dentre eles: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM Rio; MAM SP; MASP; Pinacoteca de São Paulo; Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - MAC USP; Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) e The Museum of Fine Arts, Houston, EUA.