No panorama de transformações da arte moderna em meados do século XX, a obra de Mira Schendel se destacou por sua forma original de conjugar leveza, energia, sensibilidade e uma forte motivação intelectual. Dificilmente alinhada a qualquer corrente da arte moderna, sua obra ultrapassa os debates artísticos de seu tempo. Schendel produziu pintura, escultura, instalação, desenho, livros impressos ou feitos a mão, e foi também poeta e artista gráfica. A relação entre imagem e palavra, os limites da linguagem e da percepção, e a intimidade com a filosofia, em particular a fenomenologia, são temas fundamentais em sua carreira.
Nascida na Suíça em 1919, Schendel viveu na Itália durante a década de 1930, onde estudou filosofia, teologia e arte. A necessidade de fugir da perseguição nazista levou Schendel a viver em diversas cidades europeias, e em 1949 mudou-se para o Brasil, instalando-se inicialmente em Porto Alegre e depois em São Paulo. Sua prática de pintura, que durante sua estadia na Itália era voltada à produção de naturezas-mortas e retratos a óleo, encaminhou-se a uma crescente simplificação, abandono da figura. Paralelamente, trabalhou com poesia e design gráfico, experiência que prenunciava a centralidade da palavra e da linguagem em muitas de suas obras.
Na década de 1960, começou a criar séries nomeadas de acordo com o processo de trabalho adotado, como os Bordados – realizados com tinta ecoline sobre papel - e as Monotipias, desenhos feitos com um procedimento que permitia a criação de obras únicas: no avesso de uma folha de papel de arroz japonês, posicionado sobre uma superfície de vidro coberta por uma fina camada de tinta, Schendel desenhava com o auxílio de instrumentos diversos, como sua própria unha ou outro objeto pouco pontiagudo, criando assim marcas irregulares. Nesses trabalhos, destaca-se o distanciamento do domínio técnico tradicionalmente associado ao desenho e o rompimento de hierarquias como, por exemplo, entre a figura e o fundo, espaço vazio do papel, que passa a ganhar crescente autonomia em obras posteriores.
Suas pesquisas materiais transbordaram então para o tridimensional. O papel de arroz surge em obras como Trenzinho – formada por muitas folhas de papel em branco enfileiradas em um fio de nylon, e a celebrada série Droguinhas, na qual o papel é torcido e trançado como se fosse uma linha. Passou a trabalhar com o acrílico, material que permite explorar as qualidades da transparência e da leveza. Na série Objetos gráficos o desenho é posicionado entre duas placas de acrílico suspensas por fios de nylon. As densas manchas gráficas e a materialidade das letras e signos são características dessa série, na qual Schendel buscou criar uma espécie de linguagem nova, que pudesse articular aquilo que é incomunicável. O limite da expressividade liga-se então ao interesse de Schendel pelo vazio e pelo silêncio, temas que atravessam toda a sua produção.
Sua obra foi destaque de diversas edições da Bienal Internacional de São Paulo e desde a década de 1960 a artista expôs em instituições internacionais de prestígio, como a Signals Gallery (Londres, 1966), local de intenso intercâmbio para artistas de vanguarda brasileiros e estrangeiros. Em 2013, foi realizada a individual de Schendel na Tate Modern, apresentada em 2014 na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Sua obra integra acervos públicos e privados de grande influência internacional, entre eles o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madri; The Museum of Modern Art - MoMa, Nova York, Tate Modern, Londres; e Museum of Fine Arts Houston, além de fazer parte das maiores coleções públicas do Brasil, entre elas: Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM SP, Museu de Arte Contemporânea da USP - MAC USP, Itaú Cultural, Museu de Arte Contemporânea de Niterói, entre outras.