Heitor dos Prazeres
Art Basel 2024
13 - 16 junho Estande D6
Para a seção Feature da Art Basel 2024, a Almeida & Dale apresenta uma seleção de obras de Heitor dos Prazeres (1898 - 1966), incluindo pinturas a óleo sobre tela, madeira e papelão, feitas principalmente nas décadas de 1950 e 1960. O conjunto de obras destaca o estilo único e vibrante do artista, marcado pela expressividade das cores e pela representação de temas relacionados à cultura negra brasileira: cenas da vida cotidiana urbana e rural, festas populares e brincadeiras de rua, retratando personagens como sambistas, boêmios, candomblecistas e trabalhadores – temáticas com implicações políticas incontornáveis, uma vez que a produção do multiartista reflete sobre a realidade pós-escravidão e as formas de resistência e preservação da cultura afro-brasileira.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1953
óleo sobre tela
47,5 x 35,0 cm
Vista da exposição Heitor dos Prazeres é meu nome, Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB Rio de Janeiro (2023). Foto: Tânia Rego / Agência Brasil
Exposições e coleções
Na coleção do The Museum of Modern Art – MoMA, em Nova York, desde a década de 1940 e um dos colaboradores do 1er Festival Mondial des Arts Nègres [Primeiro Festival Mundial de Artes Negras], em Dakar, Senegal (1966), Prazeres ganhou reconhecimento por meio de uma produção artística rica, variada e sofisticada. Em 1951, o artista recebeu o terceiro prêmio de pintura na Bienal de São Paulo com a obra Moenda (1951), hoje no acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC USP, e, no ano seguinte, fez parte da representação brasileira na 26. International Art Exhibition – La biennale di Venezia.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1965
óleo sobre tela
79,5 x 99,5 cm
Realizou exposições individuais em espaços como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de exposições coletivas no Brasil e em países como Argentina, Senegal, Inglaterra, França, Alemanha. Sua carreira foi celebrada em várias mostras, incluindo uma grande retrospectiva, em 2023, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, com curadoria de Raquel Barreto, Haroldo Costa e Pablo León de la Barra.
Além de integrar o acervo do MoMA, sua obra faz parte de coleções públicas que incluem o Centre Georges Pompidou, Paris; El Museo del Barrio, Nova York; Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madri; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM Rio; Museu Afro Brasil Emanuel Araujo, São Paulo; Museu de Arte do Rio - MAR, Rio de Janeiro; Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP; Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM SP; Pinacoteca de São Paulo e Fundação Casa Roberto Marinho, Rio de Janeiro, entre outras.
“Meu ideal é criar. Minha música e minha pintura nascem dos fatos da vida comum.”
Heitor dos Prazeres, in Heitor dos Prazeres: sua arte e seu tempo, 2003
Pequena África
As origens do samba e a formação cultural de Heitor dos Prazeres
Heitor dos Prazeres nasceu no Rio de Janeiro, em 1898, em uma família que provinha da Bahia, no nordeste do Brasil. Como muitos migrantes pós abolição, seus pais mudaram-se para o Rio de Janeiro – capital do país até 1961 – em busca de trabalho e melhores condições de vida.
Praça Onze, Rio de Janeiro (c.1922). Foto: Augusto Malta / Acervo FBN
A família de Heitor era simples, mas com uma vida cultural, social e religiosa muito intensa. Moravam nos arredores da Praça Onze, perto da zona portuária, onde a maior parte da população da cidade negra vivia. Com a modernização, regiões inteiras do Rio de Janeiro foram trazidas à baixo e reconstruídas, empurrando os desfavorecidos para os morros. No entanto, a família de Heitor nunca saiu do bairro, onde a cultura afro-brasileira era exercida em toda a sua complexidade.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1963
óleo sobre tela
45,5 x 55,0 cm
Os cultos de umbanda e candomblé movimentavam a chamada Pequena África, como a região é conhecida até hoje (alguns dizem que foi Heitor quem cunhou essa denominação poética e inequívoca). Eduardo, pai de Heitor, trabalhava como marceneiro e tocava clarinete na banda da Guarda Nacional. Celestina, a mãe, era costureira e doméstica. Com os pais, Heitor desenvolveu habilidades que seriam integradas ao seu repertório de práticas artísticas.
Heitor dos Prazeres
Lavadeira, c. 1960
óleo sobre tela
38 x 46 cm
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1962
guache sobre cartão
37 x 50 cm
A casa dos Prazeres era movimentada: a música e a dança faziam parte do cotidiano de Heitor, que herdou o gosto pelas reuniões familiares e festejos. Quando Heitor tinha sete anos, seu pai faleceu. Como era comum à época, o pequeno Lino, como era apelidado, começou a trabalhar para ajudar no sustento da família; estava sempre na rua. Trabalhava como alfaiate, engraxate e vendendo jornais pela cidade. Essa experiência como jornaleiro originou uma das canções de carnaval que escreveu e compôs mais tarde.
Heitor dos Prazeres
Gaitista, déc. 1960
óleo sobre tela
46,0 x 38,3 cm
“Você tem que criar estratégias de prevalecer, de continuar, de sobreviver, de resistir. Então as manifestações que vêm da população negra no Brasil, como o carnaval, podem ser uma forma de se engajar, de se manifestar publicamente. Desde sempre, este modo de existir veio desse viés da estratégia de sobrevivência.”
Glaucea Helena, MASP palestras: Heitor dos Prazeres: protagonismo e arte, 2018
Heitor dos Prazeres
Sem título, déc. 1960
óleo sobre tela
46,0 x 37,5 cm
Uma das maiores influências na vida do jovem Heitor foi seu Tio Hilário Jovino, que era músico e funcionário do Arsenal de Marinha. Ele levava Heitor ainda pequeno à casa das tias baianas, sendo Tia Ciata a mais famosa, onde se formaram as bases do samba urbano do Rio de Janeiro.
As lideranças mais destacadas da Pequena África eram também mães e pais-de-santo, como o próprio Tio Hilário. Lá havia música e ritos de candomblé, frequentados pela comunidade da Pequena África, assim como personalidades renomadas da cultura carioca. Tio Hilário fundou, em 1883, o Rancho Reis do Ouro, um dos lugares onde se festejava o Dia de Reis. Por sua iniciativa, as brincadeiras passaram a acontecer no feriado de carnaval, cortejo embrionário das escolas de samba cariocas.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1953
óleo sobre tela
43 x 54 cm
Anos depois, Heitor viria a ser um dos fundadores das primeiras escolas de samba – Mangueira, Portela, e Estácio de Sá. A musicalidade do samba surge da adaptação dos cânticos religiosos do candomblé, e proporcionaram uma integração entre cultura ancestral e popular. Heitor era Ogã Aladê-Nilu no terreiro de Tia Ciata, a pessoa responsável pela musicalidade e conhecimento ancestral ligado à musicalidade.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1963
óleo sobre tela
45 x 55 cm
No entanto, na casa de Heitor o piano era apenas tocado em dias de festa, e Heitor, sempre que podia, dedilhava as teclas. Seu Tio Hilário, que via o menino atraído pela música, deu ao sobrinho um cavaquinho. Dele não se separou mais, e seu apelido em breve passaria a ser Mano Heitor do Cavaco.
Nas pinturas de Heitor, é frequente a presença de instrumentos nas mãos de seus personagens, ou mesmo encostados em alguma parede, bem como de festas de rua e bailes domésticos. Os móveis desaparecem e os pisos de madeira envernizada ou ladrilhados dão espaço para danças que animam mulheres e homens (quase em sua totalidade negros), impecavelmente vestidos com suas roupas estilosas de tecidos rendados e coloridos. Heitor costurava suas próprias roupas e estava sempre muito elegante, de sapatos refinados e chapéu de palha.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1965
óleo sobre tela
38 x 46 cm
“Onde ele consegue se inserir artisticamente, ele se mantém fiel às suas origens. Ele traz junto com ele toda aquela carga criativa da Pequena África, que ele via lá no terreiro da Tia Ciata. Ele se mantém, ao longo de toda a sua vida, fiel às suas origens.”
Glaucea Helena, MASP palestras: Heitor dos Prazeres: protagonismo e arte, 2018
A carreira musical de Heitor do Prazeres foi extensa e notória. Desde sua vivência na casa da Tia Ciata, na década de 1910, até a década de 1960, ele compôs quase 300 canções e criou em parceria com os mais importantes artistas de sua época, como Noel Rosa, Herivelto Martins, Paulo da Portela, Nelson Gonçalves e André Filho. Noel Rosa viria a ser, mais tarde, parceiro de Heitor dos Prazeres em uma das canções carnavalescas de maior sucesso de todos os tempos: Pierrot apaixonado.
O samba Mulher de malando, composto por Heitor, venceu o prêmio de melhor composição no carnaval de 1932, ano do primeiro concurso oficial de músicas carnavalescas, patrocinado pela Prefeitura do Rio de Janeiro e pelo jornal Mundo Sportivo. A escola vencedora foi a Mangueira, cofundada pelo artista.
Capa do disco Macumba, Heitor dos Prazeres e sua Gente (1955) - Frente
Capa do disco Macumba, “Heitor dos Prazeres e sua Gente” (1955) - Verso
A maior parte da carreira musical de Heitor foi com seu grupo Heitor dos Prazeres e sua Gente, formado na década de 1930, no qual o artista era acompanhado por “pastoras”, como se denominavam. Cantavam e dançavam todos os ritmos populares e ainda exibiam um figurino diferente a cada temporada, desenhados por Heitor e produzimos pelas coristas.
“Minha mãe, que juntamente com a irmã, tia Natividade, foi corista do conjunto de Heitor dos Prazeres e sua Gente, falava-nos das viagens de shows pelo Brasil afora, das filmagens, cassinos, circos, teatros e festas, nas conversas de fim de tarde quando as famílias se encontravam para escutar rádio e contar casos, no intervalo entre uma música e outra.”
Heitor dos Prazeres Filho, in Heitor dos Prazeres: sua arte e seu tempo, 2003
Vista da exposição Heitor dos Prazeres é meu nome, Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB Rio de Janeiro (2023). Foto: Tânia Rego / Agência Brasil
O grupo participava de shows, performances e programas de auditórios na Rádio Nacional, onde Heitor trabalhou de 1943 a 1964 como ritmista do Cassino da Urca. Heitor participou de várias apresentações de artistas convidados, entre eles da famosa dançarina estadunidense Josephine Baker, que esteve no Rio de Janeiro em 1939. Foi Heitor quem organizou a visita da celebridade e de Orson Wells - produzindo um filme na cidade na época e contratou Heitor como seu ajudante -, ao terreiro de candomblé da Mãe Adedé. Nessa noite memorável, que se estendeu até a manhã do dia seguinte, Heitor conheceu o jornalista Carlos Cavalcanti, uma das pessoas que fomentou a entrada de Heitor nas artes visuais.
Heitor dos Prazeres
Sem título, déc. 1960
óleo sobre madeira
156 x 55 cm
Heitor dos Prazeres
Sem título, déc. 1960
óleo sobre madeira
156 x 55 cm
A pintura de Heitor dos Prazeres
Visualidade e expressividade
Heitor dos Prazeres começou a pintar em 1937, após a morte de sua primeira esposa, Glória. Inicialmente, sua produção tinha como destino as paredes de sua casa e suas folhas de partitura, que decorava com personagens com vestimentas coloridas. A carreira de artista visual de Heitor nasceu quando o jornalista Carlos Cavalcanti, amigo e aluno de cavaquinho, ao notar os recorrentes rabiscos do compositor em guardanapos de bares, incentivou-o a pintar. Também foi estimulado pelo caricaturista, fotógrafo, jornalista e educador Augusto Rodrigues.
“A minha pintura para mim é importante. É uma fuga das minhas dores, das minhas mágoas, do meu sofrimento, das minhas paixões. Eu me sinto num outro mundo, um mundo sofredor, um mundo gozador, um mundo de felicidade. Um mundo feliz. É, a pintura me dá toda essa alegria, me proporciona tudo isso que é riqueza para mim.”
Heitor dos Prazeres, depoimento para o documentário de Antonio Carlos Fontoura, 1966
Ainda em 1937, a pintura de Heitor, que começou sua investigação pictórica com guache, participou de uma exposição de arte latino-americana em Londres, promovida pela Royal Air Force (RAF), em benefício das vítimas da Segunda Guerra Mundial.
Segundo relatos, a mostra foi visitada pela futura rainha Elizabeth II, que se encantou como os traços e cores de Heitor na tela Festa de São João. A princesa, que comprou a obra na ocasião, teria perguntado: “Mas de onde vem este pintor extraordinário?”. Com o prestígio nascido do evento, Heitor teve sua primeira exposição individual, mesmo que pequena, realizada no diretório acadêmico da Escola de Belas Artes de Belo Horizonte.
Heitor dos Prazeres
Calango, 1950
óleo sobre madeira
42,0 x 50,5 cm
É desta primeira fase de produção Sonho (1939), que mostra uma cena de devaneio de um rapaz em seu quarto, com fotografias e pinturas na parede, juntas a uma mala de cavaquinho. A cena, vista de cima, com tons terrosos, revela uma memória (ou desejo), incorporado por uma figura feminina que surge flutuando ao lado da cama.
Heitor dos Prazeres
Sonho, 1939
guache sobre cartão
19,5 x 27,2 cm
Sua maneira inconfundível de representar corpos e paisagens, bem como a força visual da dança em suas pinturas, carregam um forte senso de identidade cultural. O mundo do trabalho nas áreas rurais, os jogos infantis, o lazer e a religiosidade são alguns dos temas que ele representou em obras inspiradas nas pessoas e lugares que frequentou ao longo de sua vida.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1942
óleo sobre cartão
53,5 x 36,5 cm
Heitor dos Prazeres
Figura e carro de bois na plantação de cana, déc. 1960
óleo sobre tela
50,0 x 61,5 cm
Heitor dos Prazeres
Sem título, s.d.
óleo sobre tela
61 x 50 cm
Vista da exposição Heitor dos Prazeres é meu nome, Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB Rio de Janeiro (2023). Foto: Tânia Rego / Agência Brasil
Institucionalização e prestígio
Das bienais ao mercado de arte
Em 1951, sua obra Moenda (1951) foi premiada na 1ª Bienal de São Paulo, realizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, obra que integra atualmente a coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - MAC USP.
“Com a pintura figurativa na I Bienal de São Paulo, Heitor se insere em um campo de disputa narrativa sobre a realidade brasileira e os legados da modernidade. Ao elaborar cenas do cotidiano de pessoas negras, sinaliza outra realidade brasileira, que difere das novas narrativas, geométricas e abstratas.”
Raquel Barreto, Haroldo Campos, Pablo León de la Barra, in Heitor dos Prazeres é meu nome, 2024, p.149
A pintura começa aos 40, Revista Manchete (1953)
No ano seguinte, suas obras Mercado (1951) e Batuque (1952) participaram da 26. International Art Exhibition - La biennale de Venezia ao lado das produções de outros artistas contemporâneos, como Alfredo Volpi, Guignard, Cássio M’Boy e Maria Leontina. Em 1953, ao artista foi dedicada uma Sala Especial na 2ª Bienal de São Paulo com curadoria do crítico de arte e escritor Sérgio Milliet, na qual foram expostas quatro de suas pinturas. Participa também das edições da Bienal de São Paulo de 1957 (na seção Artes Plásticas do Teatro), 1961 e 1979 (esta última postumamente).
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1965
óleo sobre tela
61 x 50 cm
Jornal Correio da Manhã, 15/07/1952 noticia as obras de Heitor dos Prazeres na 30ª Bienal de Veneza
A década de 1950 é marcada por um crescimento de notoriedade e reconhecimento da obra de Heitor do Prazeres em toda a sua abrangência, como músico, pintor, cantor, figurinista e cenógrafo.
Heitor dos Prazeres
Estudo do General da banda, déc. 1950
lápis de cor, guache e grafite sobre papel
16,0 x 8,5 cm
Um grande momento na trajetória do multiartista é sua participação nos festejos do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954. Para esse evento histórico, Heitor é convidado a cria figurinos e cenários para o espetáculo O guarda-chuva, produzido pelo Ballet do IV Centenário no Theatro Municipal, espaço reservado às grandes óperas e produções teatrais da elite paulistana.
Vista da exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, IMS Paulista (2022).
Em 1963, Heitor é convidado a Integra o projeto Brazilian Look da Rhodia, criando estamparia para uma coleção que seria apresentada na Europa. As estampas que criou referenciam objetos e símbolos de sua cultura musical e presentes na cultura visual afro-brasileira, como atabaques (instrumento musical) e adinkras (ideogramas africanos tradicionais).
Heitor também pintava peças de mobiliário, percussão, tapeçarias e objetos cotidianos. Assim como fazia com suas partituras de música, imprimindo seu estilo a diversos fins e contextos.
Heitor dos Prazeres
Sem título, déc. 1960
óleo sobre madeira
47 x 66 x 62 cm
"Além de fazer as músicas, ele usa esse ofício de ser alfaiate, de saber costurar, para confeccionar as fantasias que as pessoas saiam para brincar o carnaval. E é uma riqueza de detalhes impressionante. Então não é de admirar, quando se olha a pintura dele, a atenção que ele dá para as vestimentas das pessoas, para os acessórios, para os sapatos, para os chapéus, seja de detalhes riquíssimos, de chegar no pormenor - por que tanto detalhes? – é porque ele já domina, já faz parte dele, da expressividade dele. E ele desloca isso para a pintura."
Glaucea Helena, MASP palestras: Heitor dos Prazeres: protagonismo e arte, 2018
Heitor dos Prazeres
Ladrão de galinha, déc. 1960
óleo sobre tela
37,5 x 46,0 cm
Em 1957, obras de Heitor integram a exposição Arte Moderna no Brasil, que viaja por várias cidades da América Latina (Buenos Aires e Rosario, na Argentina, Lima, no Peru, e Santiago, no Chile). No ano seguinte, vai à Salvador, Bahia, por intermédio do escritor Jorge Amado, para expor suas telas na Galeria Quirino. Mesmo que o circuito de arte paulistano tenha conferido fama ao artista, é no Rio de Janeiro que Heitor finalmente ganha uma grande exposição individual, organizada pela Galeria Gea, em 1959.
Heitor dos Prazeres
Sem título, déc. 1960
óleo sobre tela
46 x 38 cm
Como a produção de pinturas de Heitor se intensificou na mesma medida que seu reconhecimento, o artista começa a contar com assistentes para atender ao volume de encomendas. Em seu ateliê da General Pedra, na região da Pequena África, chegou a ser ocupada por 30 pessoas – entre amigos e familiares – que ajudavam na finalização das pinturas que eram encomendadas com motivos semelhantes a telas anteriores. Sendo assim, Heitor adotou um método de decalques, que eram posicionados na tela por ele e inserido nela pelos ajudantes, adotando um sistema de oficina, como definiu Alba Lirio. A pintura, os rostos e os detalhes dos vestuários era ele mesmo quem fazia, conferindo especificidade a cada cena.
Heitor dos Prazeres
Sem título, déc. 1960
óleo sobre tela
38 x 46 cm
Vista da exposição Heitor dos Prazeres é meu nome, Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB Rio de Janeiro (2023). Foto: Tânia Rego / Agência Brasil
Resistência e legado
A década de 1960, última de vida de Heitor dos Prazeres, foi tomada pela instabilidade política no Brasil. Em 1964, com o golpe militar, depois de 22 anos de serviço, o músico foi demitido com outros 36 funcionários da Rádio Nacional, sem direitos trabalhistas, por ser considerado uma ameaça comunista dentro da emissora. As demissões foram comentadas nos jornais e Rubem Braga escreveu no Jornal do Brasil, em 30 de julho de 1964: “Heitor dos Prazeres, pintor e sambista, é uma das figuras mais queridas da vida carioca e no lugar de demiti-lo depois de 22 anos de serviço como ritmista da Nacional, o Governo, se tivesse imaginação e senso de justiça, devia era inscrever seu nome na Ordem Nacional do Mérito”.
“Apesar de toda a repressão, o que a história nos ostenta é que, por mais que as práticas performáticas dos povos indígenas e dos africanos fossem proibidas, demonizadas, coagidas e excluídas, essas mesmas práticas, por vários processos de restauração e resistência, garantiram a sobrevivência de uma corpora de conhecimento que resistiu às tentativas de seu total apagamento.”
Leda Maria Martins, in Performances do tempo espiralar, 2021
Haroldo Costa em vista à exposição Heitor dos Prazeres é meu nome no Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB, Rio de Janeiro, 2023, que curou com Raquel Barreto e Pablo León de la Barra
Um de seus grandes amigos, foi o poeta Carlos Drummond de Andrade, que visitava Heitor em seu ateliê com frequência. A Heitor ele dedicou o poema Um homem e seu carnaval. Drummond, que ainda o ajudou a ser contratado pelo Ministério da Educação e Cultura como auxiliar de restauração, em 1930, comentou sobre o artista:
“Não sei como os sábios explicam o ‘caso’ Heitor; a mim, que sou leigo, me parece o resultado feliz de aculturação: toda a vivacidade e delicadeza de elementos originais do negro se preservou nele, em contato com formas culturais diversas; e sem choque, mas sem renúncia ao que tinha ele de melhor em sua ancestralidade. Heitor se integrou na cultura urbana e cosmopolita do Rio, dando-nos ao mesmo tempo um exemplo de pureza e autenticidade”
Carlos Drummond de Andrade, in Heitor dos Prazeres: sua arte e seu tempo, 2003
No ano de sua morte, em 1966, Heitor participou de duas exposições fora do país: Oito pintores ingênuos brasileiros, em Paris, e Pintores primitivos brasileiros, em Moscou, que circulou por outras cidades europeias. Contudo, um dos momentos mais importantes de toda a trajetória do artista foi sua participação no 1er Festival Mondial des Arts Nègre [I Festival de Artes Negras], em Dakar, no Senegal, no qual representou o Brasil juntamente com o pintor Rubem Valentim, o jornalista Clarival do Prado Valadares, a cantora Clementina de Jesus, o compositor Silvinho da Portela e o capoeirista Mestre Pastinha.
Heitor dos Prazeres, Rubem Valentim, Pedro Moacir Maia e Clarival do Prado Valladares (dir. à esq.), no Premier Festival Mondial Des Arts Nègres, em Dakar, Senegal (1966) (Fundo Rubem Valentim) - Acervo Centro de Pesquisa do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
O evento histórico, que aproximou personalidades de vários países africanos e afro-diaspóricos, foi promovido pelo presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor, o primeiro presidente eleito do país assim que se tornou independente, e uma figura-chave do movimento da Negritude, junto com Aimé Césaire, entre outros.
Cartaz do 1er Festival Mondial des Arts Nègres (1966), Dakar, Senegal
"A gente precisa fazer esse movimento de revisitar nossa história da arte, as nossas produções, pensando em nossa experiência enquanto brasileiro, como a gente se forma, o que é esse lugar, como se deu esse encontro, como se dão essas relações até hoje - que são relações racializadas, hierarquizadas. São relações desiguais. É assim na vida e é assim na arte. E a gente tem que olhar para isso, a gente tem que reconhecer isso e dar conta de criar outras narrativas, outros olhares.”
Glaucea Helena, MASP palestras: Heitor dos Prazeres: protagonismo e arte, 2018
A ausência de registros mais extensos da vida de obra de Heitor dos Prazeres é testemunho de uma grande falha na história da arte brasileira, que apenas nos anos mais recentes tem sido revisada.
Heitor dos Prazeres
Sem título, 1961
óleo sobre tela
46 x 38 cm
Em 2023, o corpo de obra de Heitor dos Prazeres é finalmente apresentado para o público contemporâneo em uma retrospectiva de grande porte no Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB, no Rio de Janeiro. Com apoio da Almeida & Dale e acompanhamento de Heitor dos Prazeres Filho e pessoas próximas do artista, a mostra teve a curadoria de Raquel Barreto, Haroldo Costa e Pablo Léon de la Barra.
Vista da exposição Heitor dos Prazeres é meu nome, Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB Rio de Janeiro (2023). Foto: Tânia Rego / Agência Brasil
“O que ele faz nas suas pinturas é atribuir um sentido de humanidade, que foi negada à população negra pelo processo de escravização que aconteceu. Essa é a grande obra de Heitor dos Prazeres.”
Glaucea Helena, MASP palestras: Heitor dos Prazeres: protagonismo e arte, 2018
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